UMA CULTURA ABERTA À CIDADE
No mundo fragmentado dos Gregos, é a cultura que assegura a unidade: a mesma língua, os mesmos deuses, os mesmos santuários, a mesma forma de vida unem o que a política separa. Os Gregos têm consciência dessa unidade espiritual. Chamam-se a si próprios Helenos. Todos os outros povos são bárbaros, quer pertençam ao civilizado Egipto, quer a uma tribo semi-selvagem da Trácia. O Mundo está, pois, dividido em duas partes distintas: uma é grega; a outra não. Esta identidade cultural, que resiste a todos os conflitos, é constantemente renovada pelas incessantes viagens, de uma cidade para outra, de poetas, pensadores, artistas ou peregrinos a caminho de um santuário. Destacada no mundo grego, Atenas não é só escola política. É também escola de cultura. O desafogo económico em que vive e a abertura democrática das suas instituições permitem-lhe atrair os melhores artistas, organizar os espectáculos mais sumptuosos, cultivar a filosofia e o teatro.
AS GRANDES MANIFESTAÇÕES CÍVICO-RELIGIOSAS
A religião desempenhou um papel fundamental na vida dos Gregos e contribuiu fortemente para a sua identidade cultural. No dia-a-dia, dentro dos limites da cidade ou, mais espaçadamente, num santuário longínquo, os Gregos não negligenciavam nunca a obrigação de venerar os deuses, fazendo-o das mais variadas formas:
O culto cívico
Embora em toda a Grécia se adorassem as mesmas divindades, cada pólis tinha os seus cultos privados, venerando, em especial, os deuses protectores da cidade, caso da deusa Atena, Atena Polias, “Atena, a protectora da cidade”. As Pan-Ateneias eram festividades celebradas, no século V a. C., com um luxo extraordinário, custeado pelos cidadãos mais ricos. lnicialmente confinadas à cidade, as festas em honra da deusa Atena foram, a partir de 566 a. C., abertas a todos os Gregos, o que lhes conferiu um carácter pan-helénico. Intercaladas com festividades mais modestas, as Grandes Pan-Ateneias realizavam-se de quatro em quatro anos, no Verão, e duravam mais de duas semanas. Durante esse tempo, a deusa era honrada com concursos musicais, danças e provas desportivas que culminavam numa enorme procissão, em que a cidade presenteava a deusa Atena com um novo peplo, tecido e bordado pelas donzelas das melhores famílias.
Os jogos
A crença nos mesmos deuses originou pontos de referência religiosa, lugares sagrados onde convergiam peregrinos de toda a Hélade. Embora existissem numerosos santuários, os mais famosos eram o de Delfos, o de Olímpia, o de Nemeia e o de Corinto. Em todos se realizavam, periodicamente, competições artístico-desportivas de carácter religioso que atraíam multidões: os jogos. Os jogos eram uma forma de devoção tipicamente grega. O esforço dos atletas era considerado uma homenagem prestada aos deuses, que mostravam as suas preferências “escolhendo” o vencedor.
Mas os mais famosos de todos os festivais pan-helénicos eram os que se realizavam, de quatro em quatro anos, em honra de Zeus, no santuário de Olímpia. Eram, segundo a tradição, os mais antigos de todos, datando de 776 a. C., ano utilizado, mais tarde, para estabelecer o calendário grego. Na altura da sua realização proclamavam-se tréguas sagradas que interrompiam os conflitos locais em toda a Grécia. Para além das cerimónias religiosas celebradas no templo de Zeus, eram as provas desportivas que atraíam atletas e peregrinos. Apenas os homens e os adolescentes livres, de pura ascendência grega, podiam participar nas competições olímpicas, o que se explica pelo carácter sagrado das festividades que exigiam aos atletas a comunhão dos mesmos valores cívicos e religiosos. Quanto aos espectadores, podiam ser bárbaros, escravos ou raparigas solteiras; mas as mulheres casadas nem sequer podiam entrar no recinto das festas. O prémio atribuído aos vencedores resumia-se a uma coroa de ramos de oliveira brava. Era, porém, uma coroa de glória, já que as respectivas vitórias eram perpetuadas na poesia, na pintura e na escultura, o que os fazia ascender à categoria de heróis e usufruir de honras múltiplas, aquando do regresso à sua cidade. Enquanto duravam as variadas provas e cerimónias, Olímpia era palco de uma grande movimentação que não só envolvia os atletas e peregrinos, como também comerciantes de alimentos e ex-votos, filósofos, retóricos, poetas e escritores, que aí davam provas do seu talento e procuravam recrutar novos discípulos.
A ARQUITECTURA E A ESCULTURA, EXPRESSÃO DO CULTO PÚBLICO E DA PROCURA DA HARMONIA
A arquitectura
A arquitectura grega é essencialmente uma arquitectura religiosa. Embora construíssem casas, edifícios públicos ou muralhas, os Gregos reservavam para os templos os projectos mais minuciosos e os materiais mais ricos, geralmente o mármore. Apesar de se encontrarem em ruínas, os templos gregos continuam a transmitir, a quem os vê, a proporção e a harmonia que, segundo o espírito clássico, distinguiam as coisas belas. O que primeiro nos chama a atenção nos templos é a singeleza das suas linhas. Os Gregos não desconheciam o arco mas, nos seus edifícios, raramente utilizaram linhas curvas. Construíram a partir do sistema trilítico, isto é, dois suportes verticais (as colunas) unidos por uma laje horizontal (a arquitrave). Esta base construtiva, extremamente racional, dá aos templos uma grande simplicidade, embora saibamos que eles eram pensados até ao mais ínfimo pormenor.
Na Grécia, a arquitectura era uma arte de números, à qual só as regras matemáticas podiam garantir a perfeição. Esta ideia levou à criação de ordens arquitectónicas, que definiam as medidas exactas de cada um dos elementos do edifício.
A beleza ideal
"Quando copiares tipos de beleza ser-te-á tão difícil encontrares um modelo perfeito que terás de combinar os detalhes mais perfeitos de vários modelos e só assim alcançarás a beleza do conjunto.
Xenofonte, Memórias
"A beleza está, não na proporção dos elementos, mas sim na das partes, isto é, do dedo para o dedo, e de todos os dedos para a palma da mão, e destes em relação ao antebraço, e do antebraço em relação ao braço, e de todas as partes em relação a cada uma delas."
Policleto, O Cânone
A escultura
Também na escultura a procura da beleza física ideal estava bem de acordo com o espírito grego, que sempre valorizou o corpo humano e sempre buscou a perfeição. Por isso, encontramo-la praticamente em todas as obras escultóricas, quer representem deuses, jovens atletas ou personalidades insignes da política ou da cultura. Embora, no último caso, se respeitassem os traços fisionómicos do retratado, procurava-se sempre retocar-lhe as imperfeições e dar ao rosto uma expressão serena e contemplativa. Por tudo isto, dizemos que a escultura grega é idealista. Este idealismo escultórico conduziu os artistas à procura da fórmula exacta da beleza. Encontraram-na, à semelhança do que aconteceu na arquitectura, no rigor das proporções. Foi Policleto quem as definiu, estabelecendo o cânone, que aplicou na execução das suas obras, nomeadamente no Doríforo, escultura muito apreciada pelos contemporâneos e que representava um jovem concorrente ao lançamento do dardo, constituindo uma obra-prima de naturalidade e movimento.
A cerâmica
Embora não tenham chegado até nós as grandes obras da pintura grega, podemos avaliá-la pelos vasos de cerâmica, destinados à vida de todos os dias. Em Atenas, todo um bairro se chamava “o cerâmico” e aí se produziam autênticas obras de arte que eram exportadas para o mundo mediterrânico. Ao olharmos a cerâmica grega, seja uma simples taça de vinho ou um vaso funerário, torna-se clara a velha máxima que diz que, para os Gregos, até as coisas úteis tinham de ser belas!